Nicolau Santos: "Levei cinco anos para ser lisboeta e dez para ser português"

Os velhos hábitos custam a perder, por isso a escolha de Nicolau Santos para o nosso almoço não podia ser outra que não o Pabe, na Duque de Palmela, ao lado da antiga redação do Expresso, onde chegou em 1998 e de que é diretor adjunto há dez anos.
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Os velhos hábitos custam a perder, por isso a escolha de Nicolau Santos para o nosso almoço não podia ser outra que não o Pabe, na Duque de Palmela, ao lado da antiga redação do Expresso, onde chegou em 1998 e de que é diretor adjunto há dez anos. No final, há de corrigir-me: "Eu estou diretor, mas sou jornalista." Nicolau sente saudades da antiga cantina - "ali é a mesa do Dr. Balsemão", diz logo à entrada, mesmo antes de comentar quem se senta mais adiante. "Ainda agora aqui cheguei e já tenho fofocas: viu ali o António Costa a almoçar com o António Vitorino? E acolá o Morais Sarmento."

Viemos para falar de outras coisas, como o CD de poesia e jazz que acabou de gravar para distribuir pelos amigos convidados para a festa de 35 anos como jornalista. Mas não há como deixar passar o encontro imediato. "São tempos interessantes, estes que estamos a viver. Habituámo-nos a escolher não um partido mas o primeiro-ministro - e quem ganhou foi a coligação. Por outro lado, é tradição que do partido mais votado saia o primeiro-ministro e a oposição deixe passar o Orçamento e o programa do governo e desta vez não deve acontecer... É tudo muito estranho. E aparecer o PCP, até mais do que o Bloco, a dizer que subscreve um governo PS é uma revolução no pensamento político nacional. Abriu-se uma porta e vai ter de se fazer essa experiência."

O cumprimento do empregado que vem anotar os pedidos não deixa margem para enganos: as saudades são recíprocas. "Aqui gostam muito de nós, desde que se criaram os Almoços do Pabe, quando isto estava a atravessar uma altura difícil. São muito simpáticos." Já lá vão dez anos desde a mudança para Paço de Arcos - "quando começou a ideia de nos tirarem daqui, o António Torres Pereira, que era quem tratava dessas coisas, dizia que tínhamos de mudar-nos porque o prédio tinha tanto peso dos jornais que as paredes estavam a começar a abrir. Entretanto devem ter fechado de novo, porque ainda lá estivemos uns anos".

Para se encontrar comigo, veio sem laço, de camisa aberta. Nicolau é um contador de histórias, de riso fácil, e sobretudo gosta de comemorar os bons momentos. "Sou angolano e nós gostamos muito de festejar. A última coisa que me tiram é a celebração." Está explicada a festa para comemorar 35 anos de carreira - "comecei no dia 1 de outubro de 1980" - e da qual resultou o seu segundo CD, O Meu País Já não Existe. "Foi gravado antes, não é exatamente o que fizemos na festa - não tem o João Duque, que disse o Cântico Negro e o Tu Messias mais, do João Negreiros, a meias comigo" - mas tem as vozes de Cláudia Franco e Laura Ferreira, "duas belíssimas cantoras", e a música do Quarteto Manuel Lourenço a acompanhar os poemas, os seus e os que pediu emprestados a Almada Negreiros, Vasco Graça Moura e outros.

Nicolau não gosta de cerveja, prefere um copo de vinho branco para acompanhar os filetes, escolhidos mais pelas amêndoas que os cobrem do que pelos próprios; eu peço lulas e uma imperial. Oferece-me o CD, devidamente autografado, e conta como chegou ali. "Já tinha feito um com o Balula Cid ao piano (E tudo Foi Possível), quando fiz 50 anos, mas percebi que só poesia com música de fundo era uma chatice. O Manuel Lourenço andava a desafiar-me para gravar e então resolvi fazer o CD para servir de cartão-de-visita - nunca se sabe o que nos acontece nesta vida de jornalista e um dia podemos precisar de uma profissão alternativa. Agora estou entusiasmado porque temos um convite para, em 2016, irmos ao festival de musica clássica de Leiria."

Nicolau escreve poesia desde os 18 anos, mas a primeira vez que disse em público foi na festa dos 44 anos do ex-ministro da Saúde Paulo Macedo. "Não correu muito bem, porque eu estava muito nervoso." Mas a partir daí foi investindo mais, disse poesia a convite de empresas, e chegou o momento em que quis deixar um testemunho. "Em janeiro ou fevereiro, eu e os meus amigos de Angola reunimo-nos sempre para comer lampreia - eu detesto, mas não falho os encontros; dizem que eu sou o tanso que vai comer bife pago a peso de lampreia. Num desses encontros começámos a ver que todos tivemos filhos, que estão nos 30, e que devíamos deixar-lhes um legado dos tempos de Angola."

Nicolau tem dois filhos: o mais velho, engenheiro eletrotécnico, a viver na Califórnia - "foi obrigado a emigrar; no meu núcleo de amigos todos têm pelo menos um filho fora" -, a mais nova, bailarina da Companhia Nacional. Enquanto nos demoramos nos respetivos peixes, a conversa passa dos filhos para os pais. Nascido e criado em Luanda, onde só voltou em missões oficiais, angolano de segunda geração, não foi fácil adaptar-se à vida em Portugal. "Levei cinco para ser lisboeta e dez para ser português."

O pai dizia que morria se saísse de Angola e assim aconteceu, em 1979, dois anos depois de chegar. Nicolau ficou com a mãe, que de diretora de um colégio passou a professora primária na Voz do Operário, e a irmã, sete anos mais nova. Sem ligações, com os amigos espalhados pelo país, a viver no Pragal e obrigado a refazer o segundo ano de Economia, deixou a faculdade. "Vim para cá aos 20 anos, em 1975, com a minha mãe, e achei injusto obrigarem-me a repetir, por isso estive um ano sem estudar. Quando voltei ao ISCTE, já me obrigavam a repetir não só o segundo ano como algumas cadeiras do primeiro, e antes que voltasse à quarta classe achei melhor retomar o curso" (que acabaria no ISEG). "Quando o meu pai morreu, começaram a dar-me as angústias, tive umas ideias peregrinas - tinha uma namorada que tocava viola muito bem e eu disse à minha mãe: vou cantar para um bar. E a minha mãe aí travou-me, disse que eu faria o que quisesse mas só depois de acabar o curso."

Nessa altura, já Nicolau fazia os suplementos de exportação de O Jornal de Notícias e de O Jornal e, apesar de gostar muito de economia, não se via atrás de uma secretária. A chegada da tarte de amêndoa com que me acompanha no café - que não bebe - abre caminho ao relato da vida de jornalista. Primeiro no JN, mais tarde na fundação do Semanário Económico e do Diário Económico e no arranque da SIC. "Foi muito estimulante, mas a certa altura começou a ser evidente que a economia era um obstáculo na guerra pelas audiências." A passagem do seu programa, com António Perez Metelo, para as 02.00 desanimou-o mas foi outro episódio que o afastou da televisão. "Estava o BCP a tentar comprar o BPA e havia uma conferência de imprensa em Braga. Eu saí daqui de manhã, aterrei quase à hora da conferência, fui até Braga num carro conduzido por um louco da SIC, depois voltei, aterrei em Lisboa quase às 19.30, com a cassete na mão - parecia o Camões -, estava outro louco de moto à minha espera para me levar para a SIC, montei a peça a correr e quando arranca o Telejornal tinha havido um problema em Timor e caíram as peças todas. Então caiu-me a ficha. Achei que era fazer pouco do meu trabalho e nesse dia decidi: quando puder, volto à imprensa escrita."

O resto da história resume-se enquanto a conta chega e não chega. Tinha regressado ao Económico havia pouco tempo quando foi convidado para dirigir o Público, onde ficou um ano. E depois de seis meses como freelancer, em que recusou dois convites para trabalhar em bancos, decidiu aceitar o convite de Pina Moura para ser, com Leonardo Ferraz de Carvalho, "divulgador do euro". No dia seguinte, Balsemão convidou-o para o Expresso, "ali na mesa dele". Não podia deixar passar. "Quem nasceu para jornalista não chega a banqueiro." Nicolau pode "estar diretor", mas é jornalista. E o Pabe será sempre um lugar especial para ele, como é para Francisco Balsemão, que lá está, na sua mesa, como se o tempo não tivesse passado.

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